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domingo, 14 de novembro de 2010

Leis que amparam à Educação Infantil

LDB  (Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional )
EDUCAÇÃO INFANTIL
SEÇÃO II

Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade
o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30º. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.
Art. 31º. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e
registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao
ensino fundamental.

RCNEI


  O RCNEI é um documento que se constitui a partir das concepções de criança, infância e educação, propondo-se a guiar e fundamentar a prática pedagógica em nível nacional. Assim sendo, a leitura crítica, explicitando as questões anteriormente referidas, faz–se necessária e fundamental a todos que atuam direta e indiretamente na área da educação infantil.         Para além desta primeira análise, o questionamento referente ao significado desse documento, bem como a contextualização sócio-política e econômica em que foi desenvolvido, tornam-se imprescindíveis para a compreensão das próprias políticas públicas desenvolvidas nos últimos tempos em nosso país. Como indica BUJES (1999), o referencial para a Educação Infantil insere-se num “mundo de reformas” pelo qual vem passando o ensino brasileiro, onde novos currículos e sistemas de avaliação e de “controle dos produtos de escolarização” estão sendo propostos.          Assim, é importante discutir o RCNEI não como um documento isolado mas sim como constituinte de um conjunto de documentos elaborados pelo MEC que dão corpo as reformas implementadas na educação. Importante lembrar que essa reforma é condicionada por ajustes estruturais deliberados pelos organismos internacionais, em especial, UNESCO, CEPAL e Banco Mundial. Neste contexto é possível observar os desencontros entre o RCNEI e muitos pesquisadores, profissionais da educação infantil. Desencontros que podem ser observados, entre outros aspectos: a) na concepção de desenvolvimento etapista presente no documento, concepção refutada  nas modernas teorias de desenvolvimento, haja vista que o desenvolvimento humano não ocorre linearmente e nem obedece uma seqüência rígida de etapas; b) no referencial teórico confuso, por vezes misturando concepções de sujeitos e de educação — ora o sujeito é constituído sócio-historicamente ora é um sujeito que possui funções mentais que obedecem a uma maturação biológica; c) na  estrutura do próprio documento que, se apresenta como um currículo fechado, propondo um educar e cuidar dividido por áreas de conhecimento, sendo que a discussão atual indica a necessidade de compreender-se a educação infantil  fundamentada no binômio educar/cuidar; d) na adaptação das propostas destinadas as crianças de 0 a 4 anos, fato que se deve, entre outros fatores, a pequena produção acadêmica sobre as crianças dessa idade. Ao considerar as poucas pesquisas e estudos, alguns pesquisadores consideravam não adequada uma formulação curricular, pois isso só propagaria a maneira de trabalhar com as crianças de 0 a 4 anos que até então vinha sendo desenvolvida, ou seja, não respeitando a especificidade dessa faixa etária; e) na maneira como discute a alfabetização, que aparece nos moldes do ensino fundamental reforçando a concepção compensatória e escolar de educação infantil.         Percebe-se, então,  que o RCNEI, acaba por reforçar uma ideia de educação infantil escolarizada, compensatória, onde as famílias são também responsáveis pelo serviço que se coaduna com as propostas internacionais.         Nos documentos internacionais citados, a função da educação infantil é compreendida como uma prevenção do fracasso escolar: [...] é mais que comprovado que os programas de atenção pré-escolar e estímulo precoce são importantíssimos para o posterior desenvolvimento da criança. Seu efeito é particularmente benéfico para as crianças de famílias pobres, com baixo potencial de estímulo, pois facilita sua ulterior incorporação ao ensino formal [sem grifos no original] (CEPAL/UNESCO, 1995 p.250).
        Essa concepção pode ser observada no RCNEI, especialmente na proposta para desenvolvimento da linguagem escrita para as crianças de 4 a 6 anos, dividida em: a) objetivos; b)  conteúdos: - falar e escutar - orientações didáticas, - práticas de leitura – orientações didáticas, - práticas de escrita – orientações didáticas; c) orientações gerais para o professor: - ambiente alfabetizador, - organização do tempo que compreende: atividades permanentes, projetos e seqüência de atividades, os recursos didáticos e sua utilização; d) observação, registro e avaliação formativa.         Aspectos semelhantes aos planejamentos escolares, explicitando assim a idéia de uma alfabetização anterior a escola, nos moldes da escola;  em outras palavras a idéia é uma preparação para a escola que, como cita o documento acima, facilita a incorporação ao ensino formal.  Essa idéia é reforçada também no documento da UNESCO (1999, p.129), conforme pode-se verificar:         Além da iniciação à socialização que os centros e programas de educação pré-escolar facultam, verifica-se que as crianças que se beneficiam deste tipo de educação têm uma disposição mais favorável em relação a escola e correm menos riscos de a abandonar prematuramente do que as que não tiveram essa oportunidade. Uma escolarização iniciada cedo pode contribuir para a igualdade de oportunidades, ajudando a superar as dificuldades iniciais de pobreza, ou de um meio social ou cultural desfavorecido.
        A  comprovada eficiência desse tipo de atendimento — alfabetização anterior à escola —  foi divulgada pelos governos militares, entretanto, na avaliação de estudiosos da área, serviu muito mais para justificar os altos índices de fracasso escolar ou para reter precocemente as crianças,  do que para efetivamente auxiliar as crianças de famílias economicamente carentes (KOTIARENAROSEMBERG, 1999).          Também é possível observar nos documentos intergovernamentais quem ficará responsável pela manutenção desse serviço. De modo geral, esses documentos apresentam uma crescente desobrigação do Estado e uma crescente delegação dessa responsabilidade a comunidade: [...] o fato de um serviço comunitário polivalente se encarregar das necessidades ligadas ao desenvolvimento da criança permite por em prática programas muito pouco dispendiosos. A educação pré-escolar pode, assim, ser integrada em programas de educação comunitária destinados aos pais, em especial, nos países em desenvolvimento, onde os estabelecimentos de educação pré-escolar, muito caros, são acessíveis apenas a privilegiados (UNESCO, 1999 p.129).
         Mesmo que o RCNEI pontue que:         "A busca da qualidade do atendimento envolve questões amplas ligadas às políticas públicas, às decisões de ordem orçamentária, à implantação de políticas de recursos humanos, ao estabelecimento de padrões de atendimento que garantam espaço físico adequado, materiais em quantidade e qualidade suficiente e à adoção de propostas educacionais compatíveis com a faixa etária nas diferentes modalidades de atendimento[...]" (RCNEI, 1999, p. 14, vol.I); no transcorrer de seus três volumes, não discute como isso será alcançado no país, quais serão as políticas desenvolvidas, ressaltando apenas que: "A implementação e/ou implantação de uma proposta curricular de qualidade depende, principalmente dos professores que trabalham nas instituições." (RCNEI, p.41, vol.I).
        Esse discurso descontextualizado, simplista, acaba por delegar aos profissionais a responsabilidade por um atendimento de qualidade, como se isso fosse possível independente das condições materiais concretas que possuem para desenvolve-las. Escamoteia-se assim a real situação do atendimento à infância brasileira, não questionando as diferentes modalidades de instituições e de atendimento que hoje prestam esse serviço, a formação e qualificação das pessoas que aí desenvolvem seus trabalhos.         Justifica-se os programas iniciados no governo militar, incentiva-se os atendimentos não formais e ratifica-se a concepção de educação infantil como uma solução e uma necessidade apenas para as mulheres que possuem atividades fora de suas residências. Reafirma a desqualificação dessa área e de seus profissionais, uma vez que esse tipo de atendimento é realizado por pessoas leigas ou por profissionais que consideram esse nível educativo apenas como lugar de passagem. Consolida-se uma política muito mais de exclusão do que de “equalização de oportunidades” como anunciam os documentos. Segundo Rosemberg (1999). [...] estabelecimento de educação infantil de pior de qualidade tanto significa lugares piores para educação e cuidado das crianças, quanto piores locais de trabalho para os adultos. Locais de produção e reprodução da subalternidade. Mulheres, resistindo ao destino de empregadas domésticas, acomodando-se às sobras do sistema. Crianças, desde muito cedo, sendo socializadas para a subalternidade (p.33).
        A partir das leituras dos documentos internacionais, é possível compreender porque o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) foi elaborado e divulgado desconsiderando as criticas e argumentações de pesquisadores e profissionais da área. Essas argumentações ressaltavam a curta trajetória da área como um direito conquistado, o que dificulta a elaboração de uma política única para a infância no Brasil que conseguisse superar as incongruências que as políticas (e “não políticas”) isoladas foram desenhando (FARIA, 1999).         O RCNEI é estruturado como se esses problemas não fizessem parte do cotidiano das instituições de educação Infantil. O conteúdo, as recomendações “didáticas” presentes no documento remetem: [...] àquela infância desejada, rica em estímulos, pertinente quanto à adequação do vinculo do educador com a criança, e vai nos seduzindo, transportando, remetendo para criança idealizada, ele nos afasta da realidade da maioria das creches brasileiras, desconhecendo ou ocultando parte dos conhecimentos anteriormente sistematizados e divulgados (PALHARES E MARTINEZ, 1999 p.10).
        O documento do MEC para educação infantil, ao lidar  em um nível de abstração, constitui-se mais uma falácia do que um documento que realmente colabora nas lutas e resignificações da área. Defende a concepção de desenvolvimento de cidadania seguindo a idéia apresentada por VELLOSO (1999), ou seja, idéia de cidadania como substituição da sociedade civil pelo conjunto de sujeitos que se auto-administram, remetendo ao sujeito a responsabilidade por sua profissionalização, pela qualidade do atendimento que irá oferecer, independente das condições materiais que possuem para desenvolver seus trabalhos. Implícita ao discurso da flexibilização e descentralização encontra-se na verdade, a diluição da responsabilidade do Estado.         Num país em que não há políticas efetivas para a ampliação da área, para formação a de seus profissionais, nem garantia mínima de infra-estrutura para o funcionamento das instituições que já desenvolvem trabalhos, em que a educação infantil é considerada inferior a educação fundamental, possivelmente o mais urgente fosse reivindicar esse direito. Importante ainda salientar que, qualquer movimento buscando o melhoramento desse nível educacional supõe a formação de seus profissionais. Questão bastante complexa no momento presente, principalmente quando se observa que há uma requalificação do corpo docente no ensino fundamental e uma desqualificação dos profissionais da educação infantil. Segundo ROSEMBERG,         "A implantação da Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério — FUNDEF — prenuncia uma nova “depuração”: a passagem de leigos do ensino fundamental para a educação infantil e uma transferência inversa de docentes qualificados(as) da educação infantil para o ensino fundamental" (1999, p.33).
        Assim, parece que as alternativas hoje implantadas e/ou incentivadas pelo Estado, traduzidas no RCNEI, são mais uma forma de “lidar pobremente com a pobreza”  do que uma proposta que respeite a especificidade da educação infantil, que respeite os meninos e meninas atendidos/as, que respeite os adultos que ali desenvolvem seus trabalhos. A expansão da educação infantil não pode ocorrer somente na dimensão quantitativa, mas deve vir acompanhada de qualidade, que implica em  valorização dos recursos humanos expressa por meio de reconhecimento em nível salarial, pela qualificação profissional e por  condições dignas de desenvolverem seus trabalhos.

DISPONÍVEL EM:

LDB-Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional

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